Pitty - A Trupe Delirante No Circo Voador


Não adianta. O mercado exige e é preciso colocar um DVD nas lojas em intervalos de tempo bem curto. Como fazer, então, para não se repetir? Tal enigma foi muito bem decifrado pelo diretor Ricardo Spencer, que, numa ponte de mão dupla com a internet e os vídeos postados pelos fãs, espalhou câmeras de pelo meio do público captando imagens como se fosse ele próprio – o público – a fazê-las, só que, naturalmente, em alta definição. O resultado é que dá o elam deste quarto DVD da Pitty em apenas três discos.

A seu favor, Spencer teve o show montadinho para ser gravado. Não se registra mais uma turnê de uma banda; ao contrário, faz-se um show especialmente para gravar um vídeo, e aí até a luz é planejada como se fosse para a gravação de um programa de TV, o que, de certa forma, tende a pasteurizar o conteúdo. Mas, alto lá! É um show de rock, e de uma das maiores bandas em atividade no Brasil, calejada pelo palco e com um respeitável histórico de grandes apresentações. E é o que acontece ao longo dos curtos 70 minutos – o áudio do DVD coube certinho na versão em CD. O tal planejamento, que faz Pitty incluir cover, convidados e até uma música nova (das boas) feita às pressas, não tira do show o caráter ao vivo indispensável ao show de rock. Nem a chata grandiloquência do título atrapalha; melhor do que cair no repetitivo “ao vivo em tal lugar”.

No afã de não se repetir, Pitty acabou limando as músicas do segundo álbum “Anacrônico”, do repertório desse DVD, já que boa parte dele tem registro ao vivo no anterior, “{Des}Concerto Ao vivo – 06-07-07”. De outro lado, sacou pérolas do disco de estréia, “Admirável Chip Novo”, e incluiu o mais recente, “Chiaroscuro”, quase na íntegra. Esperta, só colocou os hits “Máscara” e “Admirável Chip Novo” como bônus, onde aparecem também os clipes para “Me Adora”, “Fracasso” e “Só agora”, todos de “Chiaroscuro”. Mas escolher muitas músicas de um único disco é um erro, já que dificilmente todas soam bem ao vivo. A baba “Só Agora”, por exemplo, é de um anticlímax atroz e só serve como um eventual segundo clipe a ser extraído do DVD para encher programação de emissora de TV. O primeiro, para “Comum de Dois”, já passou de um milhão de visitas na web. Não é brinquedo, não.

Com tanto planejamento, é de se atribuir ao próprio rock que os melhores momentos do DVD surpreendam no inusitado. Em “Medo”, a luz estourada combina com o peso inerente à música, que chega a ter um trecho todo distorcido; a inesperada “O Lobo” foge totalmente ao padrão do show, e inclui um grande solo do guitarrista Martin; “Todos Estão Mudos”, ode à revolta, soa como um hino de adeus; e “Me Adora”, música símbolo da banda, mostra a mais bela imagem do DVD, com Pitty debruçada sobre o pedestal do microfone nitidamente emocionada com a cantoria em uníssono e à capela do público. “Comum de Dois”, que tem registro oficial pela primeira vez, mostra (como já foi dito na cobertura do show) um flerte descarado com o rock dos anos 00, chupado dos 80 – leia-se o indie dançante de Franz Ferdinand e adjacências.

Parte complementar do DVD, o público, em sua maioria juvenil, é flagrantemente registrado num nível de participação extrema. A retirada de blusa coletiva por parte das meninas em “Desconstruindo Amélia”, o estouro de bolas de gás com confetes, as faixas erguidas o tempo todo com frases de apoio, as bolinhas de sabão lançadas ao ar em “Só Agora” e – claro – todo mundo cantando todas as músicas o tempo todo é fato raro a ser festejado pela banda. E ainda dizem que, no Brasil, o público mais novo não gosta de rock. Gosta, sim.

Por Marcos Bragatto.

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